Resumo da Reunião Clínica
 

Após receber a indicação médica de que teria que se submeter a uma histerectomia para a retirada de um mioma, M. voltou a procurar a psicóloga que a havia atendido quase 10 anos antes, quando se internara para se submeter a uma tireoidectomia parcial devido a um hipertireoidismo. Na época, a paciente causou uma forte impressão na terapeuta pela mudança de comportamento após viver uma experiência de morte iminente no centro cirúrgico. Ao internar-se, era arredia ao contato e desconfiada em relação à equipe da enfermaria. Quase desistiu de operar-se ao saber que as pacientes iam para o centro cirúrgico sem a calcinha. Além disso, sua aparência demonstrava desinteresse por sua pessoa: muito emagrecida, olhos saltados, cabelos sem cuidados e em desalinho, vestes também mal cuidadas. No preparo anestésico, apresentou uma crise hipertensiva e sua cirurgia precisou ser adiada. Depois contou que ao ser colocada no centro cirúrgico sua vida passou diante de seus olhos, como costuma acontecer com pessoas em situações de morte iminente. No dia seguinte a psicóloga encontrou a paciente se arrumando para ir embora do hospital, conseguiu demovê-la da idéia de fugir e, no dia seguinte, soube que a paciente passara algum tempo sentada em frente ao necrotério do hospital observando o movimento e pensando na vida.
M. mudou depois desses acontecimentos. Contou que sua mãe a deu para uma tia criá-la quando sua irmã nasceu e falou da pobreza, da fome e dos maus tratos sofridos depois que casou e foi morar no mesmo terreno que os familiares do marido. A pressão arterial estabilizou, M. foi operada com sucesso e ficou mais alguns meses em tratamento ambulatorial, durante o qual conseguiu melhorar sua auto-estima depois de falar dos abusos sexuais impostos pelo primo mais velho na casa da tia que a criava. Voltou a estudar e interrompeu o tratamento ao mudar para outro estado, única maneira de conseguir mudar-se do terreno em que dividia com a família do marido.
Ao procurar novamente sua terapeuta, M. havia concluído um curso profissionalizante adquirindo uma profissão na qual trabalhava, os filhos haviam crescido, uma se casara e o outro estava noivo, e M. vivia bem com o marido. Procurou sua psicologia por que estava com dificuldades em aceitar a técnica cirúrgica indicada por seu médico. Este informara que atualmente a histerectomia é feita por via ginecológica e não mais por via abdominal porque o pós-operatório assim é menos doloroso e mais simples. Estava mais uma vez muito ansiosa e desconfiada em ter que se submeter a uma cirurgia. M. teve mais 3 atendimentos depois dos quais conseguiu se submeter à cirurgia que transcorreu sem nenhum problema. Nesses atendimentos, o tema do abuso sexual foi novamente abordado, mas dessa vez a partir da perspectiva da participação dela nos eventos.

O primeiro tema a ser discutido foi a psicogênese de certas afecções somáticas. Foi lembrado que o hipertireoidismo, uma das 7 doenças estudadas por Franz Alexander, costuma estar associado ao estresse crônico decorrente de distúrbios emocionais, que, no caso apresentado, estava relacionado ao drama do abuso sexual. Como muitas vítimas de abuso sexual, a paciente carregava há muitos anos um drama caracterizado pelo sentimento consciente de raiva pela violência sofrida junto com o sentimento inconsciente de culpa pela participação psicológica (desejo) no evento. Foi ressaltado que através do trabalho da Psicologia Médica evitou-se as duas tentativas de expiação do sentimento inconsciente de culpa que estavam mescladas na maneira da paciente lidar com a sua doença: na primeira internação houve a tentativa de expiação através do pico hipertensivo no centro cirúrgico e, na segunda, através da transformação da histerectomia em castração.