Resumo da Reunião Clínica
 

Uma mulher de quase quarenta anos, de aparência descuidada, separada, mãe de três filhos, sendo o caçula ainda bebê, foi internada com um quadro clínico iniciado há dois meses de forte cefaléia, paresia dos membros inferiores e amaurose bilateral com estrabismo no olho esquerdo, e edema da papila, diagnosticado como decorrente de uma hipertensão intracraniana idiopática. Apresentava também uma sensação de opressão no pescoço, que era referida como uma coleira que apertava conforme seu estado emocional, e um movimento peculiar e estereotipado das mãos, como se estivesse segurando uma bola. Filha mais velha de pais separados devido ao uso abusivo de bebidas alcoólicas e ao comportamento promíscuo da mãe, que acabou tendo mais dois filhos de homens diferentes, saiu de casa ainda adolescente quando a mãe engravidou pela terceira vez “porque já tinha criado um e não queria criar mais nenhum filho da mãe”. Nessa época fez duas sérias tentativas de suicídio. Casou-se com seu primeiro namorado, de quem se separou dez anos depois e com dois filhos “para não mais apanhar”. Há mais ou menos dois anos teve um filho do seu namorado na época. Cria os filhos sem ajuda trabalhando no período noturno para poder cuidar melhor deles. Durante a internação seu estado de ânimo foi apresentado melhora, a ansiedade e a depressão diminuíram, a sensação de opressão no pescoço desapareceu e os movimento estereotipados das mãos diminuíram acentuadamente. Recebeu visitas dos familiares, inclusive da mãe, com quem não falava há vários anos. Como a hipertensão intracraniana e a consequente amaurose não responderam ao tratamento medicamentoso, a cirurgia para colocação de uma derivação foi indicada. A paciente está aguardando a cirurgia.

Como existem relatos de cegueira (amaurose) histérica, um deles registrado por Freud em 1910 (“A Concepção Psicanalítica da Perturbação Psicogênica da Visão”), e a paciente apresentava sintomas histéricos (a opressão no pescoço e o movimento estereotipado das mãos), a discussão, inicialmente, girou em torno da possibilidade desta amaurose ter uma etiologia histérica. Foi ressaltado que para a realização do necessário diagnóstico diferencial quanto à etiologia da cegueira é fundamental que o acompanhamento psicológico esteja perfeitamente integrado com o tratamento clínico, pois só assim se consegue evitar o risco do acompanhamento psicológico se tornar um tratamento em paralelo com a evolução do tratamento médico, como acontece com algumas abordagens psicológicas realizadas no hospital. Finalmente, foram assinaladas as duas experiências transformadoras ocorridas durante a internação da paciente: a denúncia de seu sentimento de sobrecarga decorrente do esforço em criar os filhos sem ajuda, intimamente relacionado com o conflito com sua mãe, pois afirmou várias vezes não ser uma mãe como a sua foi, e a experiência de ter medo de morrer, já tendo desejado isso fortemente em seu passado.

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