Resumo de Reunião Clínica
 

Uma mulher de quase quarenta anos foi internada com dores abdominais com irradiação para a região lombar de início há poucos meses, logo após ter-se submetido à cirurgia para correção de varizes nos membros inferiores. Exames revelaram apenas a existência de um edema no pâncreas e a paciente foi internada para elucidação diagnóstica, com os diagnósticos iniciais de pancreatite e de varizes pélvicas (do ovário).
A relação que se estabeleceu entre a entre a equipe assistencial e a paciente era de desconfiança: alguns membros da equipe não acreditavam nas queixas álgicas da paciente porque, para eles, o comportamento dela na enfermaria não se coadunava com o de uma pessoa que estaria sentindo fortes dores. O mesmo se passava com os familiares e o marido da paciente. Mas com a psicóloga algo diferente ocorreu, pois logo no primeiro atendimento a paciente revelou estar passando por uma importante crise conjugal em decorrência do afastamento mútuo do casal: o marido, muito ciumento, se queixa que ela esconde alguma coisa dele e ela sente-se muito insatisfeita com o comportamento calado e pouco afetivo dele. Logo em seguida relatou, pela primeira vez em sua vida, que foi violentada pelo pai, alcoolizado e armado, quando com dezoito anos. Na época tinha um namorado que a deixou quando notou a gravidez e até hoje não sabe quem é o pai de sua filha. Aos onze anos o avô a salvou de uma situação de violência sexual provocada pelo tio. O relacionamento da paciente com o marido e com a equipe sofreu uma nítida melhora com o acompanhamento da Psicologia Médica e a paciente continua internada, ainda em pesquisa diagnóstica.

A discussão foi iniciada assinalando-se ser este mais um caso em que fica evidente a inter-relação entre crise existencial e adoecimento. Como a maioria das pessoas que foram vítimas de violência sexual, a paciente também não conseguia deixar ninguém se aproximar dela (o que provocava o ciúme do marido e a desconfiança dos familiares e da equipe) e cobrava das pessoas atenção e dedicação na tentativa inconsciente de compensar a agressão sofrida. A experiência de vínculo da paciente estava comprometida tanto pela não elaboração da experiência traumática como também pelo sentimento inconsciente de culpa. A primeira a deixou com medo de todos e o segundo, que decorre dos desejos edípicos inconscientes, a deixou com medo de se aproximar (de seduzir a todos como imagina ter seduzido o tio e o pai). O fato de não procurar tirar a limpo a paternidade de sua filha fala a favor do desejo edípico inconsciente de manter a ilusão de a mesma ser filha do seu pai, o que fortalece o sentimento inconsciente de culpa. Este sentimento, por trazer o risco de desencadear a busca de expiação, por vezes através de um tipo particular de indução iatrogênica conhecida como síndrome de eutanásia deve ser o foco da atenção da Psicologia Médica.

retorna