Resumo de Reunião Clínica
 

Uma mulher de 52 anos, com obesidade mórbida e fortes dores abdominais, foi internada para fazer uma cirurgia de hernia incisional na região abdominal superior. Não pôde ser operada por falta de equipamento cirúrgico específico e necessário para este tipo de paciente. Apesar de orientada a retomar seu tratamento ambulatorial a fim emagrecer para poder ser operada, a paciente ainda não retornou. Teve apenas um atendimento por um dos membros da equipe da Psicologia Médica, no qual a paciente relatou estar desesperada para ser operada e já ter passado por essa experiência de ser internada e não operada em vários hospitais, e em todos recebeu a mesma orientação de emagrecer para poder ser operada. A paciente contou que as fortes dores abdominais não melhoravam com nenhuma medicação e eram em tudo semelhantes às dores de parto. As dores iniciaram após ter apresentado um quadro de pseudociese há vários anos. Apesar das explicações médicas recebidas na época, desde então acredita que todas as suas gravidezes foram na bacia e, na última, seu feto foi devorado por um bicho que está alojado na sua bacia. Contou ainda que desde pequena sente seu umbigo cheirar a esgoto. Ainda nesse atendimento, contou que  casou-se aos 14 anos para fugir dos maus tratos que recebia de sua mãe alcoólatra. Teve quatro filhos, dos quais 2 morreram em um tiroteio alguns anos antes de ter apresentado o quadro de gravidez psicológica. Disse que se tornou uma pessoa muito nervosa na sua primeira gravidez.

A discussão foi iniciada com uma explanação sobre a gravidade do quadro mental apresentado pela paciente. Isso deu ensejo ao debate sobre o diagnóstico fenomenológico (se seria uma psicose esquizofreniforme, uma psicose melancólica ou se um quadro misto) e sobre o tipo de ideação da paciente (se as idéias e as interpretações por ela apresentadas sobre sua pseudociese e suas dores seriam delirantes ou deliróides). Em seguida, frisou-se o intenso uso do mecanismo  de defesa conhecido como “recusa” (“verleugnung”), empregado pela paciente para lidar com as situações difíceis de sua vida: a insistência da paciente em operar-se, embora já tivesse recebido a informação do risco que seria ser operada com seu peso, sua dificuldade em saber, dentre os quatro filhos, quais foram os que morreram e a pseudociese.
Baseando-se no relato da paciente sobre seu relacionamento com sua mãe, discutiu-se ainda a possível relação entre o delírio de ter um bicho voraz e destrutivo em sua bacia e a possível introjeção de uma imago materna agressiva e destrutiva.
Sobre o comportamento repetitivo da paciente procurar ser operada sem o devido preparo, conjecturou-se que o mesmo, provavelmente, estaria ligado à idéia de estirpar o bicho de sua bacia. Assim, com vistas a uma melhor adesão da paciente ao tratamento, o acompanhamento psicológico da paciente deveria ter sido inicialmente focado na elaboração dessa idéia a partir de um vínculo terapêutico.

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