Resumo de Reunião Clínica
 

Um rapaz de pouco mais de vinte anos, casado e pai de três filhos, foi internado para se submeter a uma cirurgia para retirada de um tumor cerebral. Durante seu acompanhamento por um membro da equipe do CMP associada à enfermaria contou que esta era sua terceira internação em três hospitais diferentes e sua terceira tentativa de operar-se. No início disse que era porque os outros hospitais não faziam este tipo de cirurgia, mas depois ficou evidente que o paciente “fugira” nas vezes anteriores. Esteve muito ansioso durante todo o período de internação e quase não agüentou esperar também desta vez. Tinha medo da anestesia, de morrer, de ficar seqüelado e, principalmente, de fantasmas e assombrações, a ponto de não conseguir sair do seu leito à noite. Ele mesmo distingüia seus medos: o de fantasmas e assombrações dizia ter tido sempre, enquanto que os demais surgiram depois que soube que tinha um tumor cerebral.
Ao saber do diagnóstico do filho a mãe passou a acusar o pai de ser o responsável pela doença por ter-lhe batido e chutado a barriga quando estava grávida do paciente. O próprio paciente sentia-se culpado por não ter sido um bom pai, por ter feito uso, às vezes abusivo, de bebidas alcoólicas e outras coisas mais.
Após um mês  de internação foi operado com sucesso, não tendo tido nenhuma seqüela. A biopsia não revelou células cancerosas

A discussão girou em torno dos medos do paciente. Inicialmente apontou-se a necessidade de fazer-se a distinção entre os medos atuais (da cirurgia, da anestesia, das possíveis seqüelas) e o medo de fantasmas e assombrações, antigo e relacionado às culpas do paciente. Como costuma acontecer, a situação traumática atual (cirurgia) estava mobilizando situações traumáticas passadas, as quais estavam dando o colorido afetivo à experiência atual. Assim, para a elaboração da situação atual é necessário a elaboração dos traumas passados. E nesse sentido a análise da dinâmica relacionada aos sentimentos de culpa do paciente, que pelo relato pareciam estar ligados ao uso de bebidas e drogas, a sentimentos de ter falhado como pai e a uma agressividade inconsciente voltada contra os próprios pais, serviu para se compreender um pouco mais de seus traumas passados. A discussão encaminhou-se para a relação que costuma existir entre sentimentos de culpa, o tipo de agressividade do paciente e a percepção inconsciente dos desejos filicidas dos pais (o pai chutando a barriga grávida da mãe). Tal conjuntura psicodinâmica costuma prejudicar a elaboração da experiência edípica e estar associada ao desenvolvimento de uma agressividade e culpa também inconscientes e dirigidas aos pais com prejuízo de toda a dinâmica de construção da identidade.

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