Resumo de Reunião Clínica
 

Um paciente de 68 anos ficou dois meses internado por insuficiência cardíaca, cirrose hepática, diabetes mellitus e hiperpigmentação a esclarecer. Durante este tempo foi acompanhado por um membro da equipe de Psicologia Médica do C.M.P. associada a esta enfermaria. Seu tema preferido, presente em todas as sessões, era a violência. Em tom sempre arrogante e desdenhoso, contava histórias de corrupção de políticos, de álcoólatras, traficantes e estupradores, finalizando a todas sempre com a lembrança de sua cidadezinha natal no nordeste com a conclusão de que lá as coisas eram melhores porque estes problemas eram resolvidos à bala. Nem parecia que ele, portador de cirrose hepática, havia feito uso abusivo de bebidas alcoólicas e que um de seus filhos, envolvido com o tráfico de drogas, fora assassinado numa das batalhas da guerra entre quadrilhas rivais. Foram dezenove atendimentos, nos quais o terapeuta sentiu grande dificuldade em estar com o paciente. As histórias e a maneira de contá-las, intercalando sua fala com cuspidas e escarradas, faziam o terapeuta sentir-se enojado.

Ressaltando-se os aspectos violentos do paciente, seu uso maciço de identificações projetivas para se livrar destes conteúdos inconscientes e o medo dele morrer, como contava que acontecia com aqueles que denunciavam os criminosos, discutiu-se a situação comumente vivida pelo terapeuta que, mesmo percebendo e entendendo a dinâmica mental do paciente, encontra dificuldades em  nela interferir, neste caso por conta de sentimentos nele despertados pela relação com seu paciente.
Seguindo-se a sugestão feita por Michael Balint (Psychoterapeutic Techniques Medicine, Tavistock Publications, London, 1961), fez-se menção à importancia do terapeuta considerar estes sentimentos como um sintoma do paciente e utilizá-los para entender o doente e a relação que se estabeleceu entre ambos como forma de se evitar o impasse terapêutico acima relatado.
Mesmo desvalorizando o que lhe estava sendo oferecido pelo hospital através da idealização infantil de sua cidade natal, a consciência de que precisava de ajuda o fez voltar a procurar o hospital para continuar seu tratamento ambulatorial e a investigação da hiperpigmentação.

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